Manaus se tornou ponto estratégico para o crime organizado na Amazônia, registra o relatório “A Amazônia sob ataque – Mapeando o crime na maior floresta tropical do mundo”, elaborado pela Amazon Underworld, organização jornalística que investiga a atuação do crime organizado transnacional, atividades econômicas ilegais e seus impactos no meio ambiente e sociedades da Amazônia. Conforme a entidade, a capital amazonense é um dos principais corredores da cocaína produzida na América do Sul. O relatório sobre o estudo foi publicado no dia 21 deste mês de outubro.
Segundo o documento, “as drogas chegam pelo Rio Solimões e fluem ao longo do Rio Amazonas para distribuição doméstica ou transporte internacional”, consolidando Manaus como elo essencial nas rotas do narcotráfico. As facções brasileiras CV (Comando Vermelho) e PCC (Primeiro Comando da Capital) dominam essas rotas, disputando o controle dos rios, fronteiras e cadeias logísticas que movimentam toneladas de drogas e milhões de reais por ano.
O relatório menciona que o atual cenário de violência no Amazonas teve origem em 2016 com o rompimento do pacto de não agressão entre CV e PCC, que até então mantinham um equilíbrio no tráfico regional. A ruptura mergulhou a região em uma onda de confrontos e levou à fragmentação da FDN (Família do Norte), facção criada em Manaus que até então controlava o tráfico local.
A partir dessa divisão, o CV ampliou sua atuação e passou a controlar parte das rotas fluviais do Solimões, enquanto o PCC expandiu sua rede em direção ao interior e às fronteiras com o Peru e a Bolívia.
Parte dos antigos membros da FDN se uniu ao Comando Vermelho, formando o CV-AM (Comando Vermelho do Amazonas), enquanto outra parcela criou o grupo “Os Crias”, sediado em Tabatinga, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
O relatório informa que “’Os Crias’ têm sede em Tabatinga, na fronteira com a Colômbia, e recebem apoio financeiro e de armas do PCC”. Após a morte do líder Brendo dos Santos, em 2023, o grupo perdeu força, o que consolidou o domínio do CV-AM na fronteira.
Tríplice fronteira
Tabatinga é descrita como um dos pontos mais críticos do tráfico na Amazônia. O documento afirma que o Comando Vermelho opera uma rede sofisticada que abrange o Brasil, a Colômbia e o Peru, controlando rotas de produção, transporte e exportação de cocaína.
O grupo, segundo o relatório, mantém presença em prisões de Tabatinga e Letícia (Colômbia), além de controlar parte das rotas que ligam a Amazônia peruana às regiões de Loreto, Ucayali e Madre de Dios, onde há produção de coca e laboratórios de refino.
Manaus e os portos
O relatório registra que Manaus, Belém e Barcarena se tornaram centros de trânsito essenciais para o tráfico internacional de drogas, conectando a produção amazônica a mercados da Europa, África e Ásia.

O documento cita que os portos brasileiros, em especial o de Vila do Conde, em Barcarena–PA, já foram palco do maior carregamento de cocaína apreendido em um porto do país. Manaus atua como um dos principais pontos de coleta e redistribuição das cargas ilegais que descem o Amazonas em direção ao Atlântico.
Garimpo ilegal
O avanço do crime no Amazonas também está ligado ao garimpo ilegal. O relatório afirma que o PCC “diversificou suas operações de garimpo em Roraima, especialmente nas terras indígenas Yanomami, na fronteira com a Venezuela”. A facção recruta migrantes venezuelanos para trabalhar em garimpos e em atividades paralelas, como segurança e exploração sexual.
Essa estratégia, segundo o documento, faz parte da “internacionalização mais ampla do PCC”, que já possui “mais de 600 membros ativos na Venezuela, cerca de 150 na Bolívia e operações que se estendem até as Guianas”.
Além do ouro, as facções exploram rotas fluviais, madeireiras e áreas de fronteira para lavar dinheiro, movimentar drogas e contrabandear insumos. “A crescente capacidade dos grupos criminosos de se infiltrar nas economias formais — especialmente por meio da apropriação de terras, pecuária e agronegócio — torna cada vez mais difícil combatê-los”, alerta a Amazon Underworld.
O domínio das facções e o impacto social
O estudo analisou 987 municípios amazônicos em seis países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela) e constatou que 662 (67%) possuem presença de grupos armados ou facções criminosas. “Isso significa uma presença do crime organizado em pelo menos 67% dos municípios da Amazônia”. Desse total, 32% têm mais de um grupo atuando simultaneamente.
Em várias regiões, segundo o relatório, facções e grupos armados começaram a governar territórios, impondo regras locais, determinando toques de recolher e controlando a circulação de pessoas e mercadorias.

O documento também mostra os efeitos sociais e ambientais dessa ocupação: “Populações inteiras são expulsas de seus territórios, enquanto outras permanecem confinadas devido a confrontos ou à presença de minas terrestres. Em grandes extensões dos territórios amazônicos, as economias ilícitas são a atividade dominante”.
A presença de facções traz impactos diretos para as comunidades indígenas e ribeirinhas, que resistem à expansão do garimpo e do tráfico. “Aqueles comprovadamente mais capazes de conservar a floresta – os povos indígenas – são cada vez mais visados pelo crime organizado, pois representam obstáculos ao avanço do crime”, diz a Amazon Underworld.
Ameaças à floresta
A instituição afirma que as redes criminosas amazônicas operam de forma transnacional, trocando drogas por armas e usando as mesmas rotas para transportar ouro, madeira e pessoas. O estudo ressalta que o Comando Vermelho e o PCC atuam em pelo menos três países amazônicos, enquanto outras facções menores mantêm conexões com guerrilhas colombianas e grupos da Venezuela.
A expansão dessas redes acelera a destruição ambiental: “Essas operações ilegais geram mais receita local do que os orçamentos das agências estatais encarregadas de combatê-las”, diz a entidade, ao alertar sobre o risco de a floresta perder seu papel como filtro de carbono global.
O relatório conclui que a Amazônia vive “uma era de violência exacerbada”, impulsionada pelo ouro e pela cocaína, e alerta que, enquanto “o dinheiro do crime continuar a corromper as forças do Estado, juízes e autoridades locais”, as facções seguirão expandindo sua influência sobre os territórios amazônicos.
Com rios estratégicos, portos movimentados e fronteiras vulneráveis, Manaus se consolida como o principal elo logístico entre o narcotráfico internacional e as economias ilícitas da floresta, tornando o Amazonas um dos eixos mais sensíveis da criminalidade na América do Sul.
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