27/12/2025
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OEA cita decisões do STF e alerta para riscos à liberdade de expressão no Brasil

OEA cita decisões do STF e alerta para riscos à liberdade de expressão
Foto reprodução

Relatório da visita de Pedro Vaca ao país menciona censura a revista

Nesta sexta-feira, 26, a Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgou um relatório no qual faz alertas para riscos à liberdade de expressão no Brasil.

O documento cita decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e normas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Esse dossiê foi elaborado pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

As conclusões ocorreram depois de visita oficial ao Brasil do relator Pedro Vaca, realizada a convite do governo Lula em 2024.

OEA diz que ordens de remoção de conteúdo no Brasil podem gerar “efeito inibidor”

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Sede do STF, em Brasília | Foto: Gustavo Moreno/STF

Um dos pontos do relatório diz respeito às ordens judiciais que determinam a retirada de conteúdos da internet.

“O uso do Direito penal para punir expressões de interesse público é geralmente incompatível com a Convenção Americana, constituindo uma sanção desproporcional”, observou o documento. “As pessoas que ocupam cargos públicos devem tolerar um grau mais alto de crítica devido à sua posição, e as sanções penais desestimulam o debate público e geram autocensura (…) Os Estados devem promover mudanças legislativas para impedir o próprio início de processos que visem aplicar o Direito penal às críticas às autoridades públicas, uma vez que a possibilidade de estar sujeito a tais processos tem um efeito inibidor sobre o debate público.”

TSE

O documento analisa, em especial, a Resolução nº 23.714/2022 do TSE, que estabelece regras para a remoção de conteúdos considerados “sabidamente inverídicos” ou “gravemente descontextualizados”.

Segundo o texto, a norma autoriza que o TSE determine a retirada de publicações em prazo de até duas horas, sob pena de aplicação de multas por hora de descumprimento. A resolução também prevê a possibilidade de remoção de conteúdos “idênticos” aos já considerados ilícitos e, em caso de descumprimento reiterado, admite a suspensão temporária de plataformas digitais no território nacional.

A relatoria alerta que a exigência de tornar conteúdos “imediatamente indisponíveis, sob pena de responsabilização” pode ser interpretada como a imposição de um dever geral de monitoramento às plataformas, prática considerada incompatível com padrões internacionais de liberdade de expressão. Para a OEA, prazos reduzidos e sanções severas ampliam o risco de restrições desproporcionais à circulação de informações de interesse público, especialmente em períodos eleitorais.

Uso de medidas cautelares pelo STF

A relatoria ainda manifestou preocupação com o uso recorrente de medidas cautelares para restringir a liberdade de expressão no Brasil.

De acordo com o relatório, essas medidas são “frequentemente impostas de forma provisória ou interlocutória, sendo prorrogadas sem um prazo claro para seu término”.

Para a OEA, essa dinâmica pode levar à restrição de direitos fundamentais “sem que se comprove a prática de um delito”, o que contraria padrões internacionais de direitos humanos.

Falta de critérios claros amplia risco de arbitrariedade

Outro ponto criticado no relatório é a ausência de definições jurídicas precisas sobre o que caracteriza discurso de ódio ou desinformação.

Para a OEA, a “imprecisão nas definições jurídicas de discursos não protegidos cria o risco de limitações injustificadas ao debate público sobre questões de interesse público”.

O documento também alerta que exigir que plataformas tornem conteúdos “imediatamente indisponíveis, sob pena de responsabilização” pode ser interpretado como a imposição de um dever geral de monitoramento, considerado incompatível com padrões internacionais.

Decisões com alcance global levantam questionamentos

A OEA menciona ainda precedentes judiciais brasileiros que determinaram a remoção global de conteúdos.

Segundo o relatório, o entendimento de que a retirada apenas no território nacional seria “insuficiente” levanta questionamentos sobre proporcionalidade e sobre a extensão da jurisdição brasileira para além de suas fronteiras.

Caso Crusoé é citado como exemplo de censura judicial

O relatório menciona o episódio envolvendo a Crusoé, que teve uma reportagem retirada do ar por decisão do STF em 2019.

À época, a revista divulgou informação sobre o ministro Dias Toffoli baseada em documentos da Operação Lava Jato. O juiz do STF seria o “amigo do amigo do meu pai”.

Confira ainda

A relatoria registra críticas ao uso de decisões judiciais para impedir a circulação de reportagens, afirmando que “medidas judiciais cautelares seriam utilizadas como forma de proibir a divulgação de notícias mesmo antes de sua publicação”, além de “restringir a circulação de notícias públicas”.

A OEA disse que esse tipo de atuação judicial pode configurar censura e tende a produzir um “efeito inibidor sobre a atividade jornalística”.

Impacto direto sobre a imprensa

Ao citar a Crusoé, a relatoria afirma que decisões desse tipo não afetam apenas um veículo específico, mas geram consequências mais amplas para o jornalismo.

O relatório observa que sanções elevadas e ordens de remoção baseadas em critérios genéricos podem tornar “supostamente impossível a manutenção da atividade jornalística” quando aplicadas de forma reiterada.

Conclusão da OEA

Ao final, a OEA afirma que o combate ao discurso de ódio e à desinformação deve observar critérios de proporcionalidade, legalidade e clareza.

Para a relatoria, “diante de opiniões desiguais, não há melhor resposta do que a justiça dos argumentos”, o que exige mais — e não menos — debate público.

Segundo o relatório, medidas excessivamente repressivas ou imprecisas podem produzir o efeito contrário ao pretendido, enfraquecendo o debate democrático e restringindo indevidamente a liberdade de expressão no Brasil.

Apesar das observações críticas, a OEA afirmou que a delegação de Vaca “constatou que o Brasil possui instituições democráticas fortes e eficazes, o que se evidencia por declarações e políticas relevantes do Estado destinadas à conformidade com os padrões nacionais e internacionais de direitos humanos”. “O Estado realiza eleições livres e justas, e é caracterizado pela separação de poderes e pelo Estado de Direito, com arranjos constitucionais que garantem a proteção dos direitos humanos”, disse o documento.


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