As informações foram publicadas no site Civilization Works, do jornalista americano Michael Shellenberger.
Cristina Yukiko Kusahara, chefe de gabinete do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF), aparece no centro de uma nova polêmica revelada por mensagens vazadas que indicam o uso de estruturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para investigar e manter presos manifestantes dos atos de 8 de janeiro de 2023. As informações fazem parte da apuração do caso “Vaza Toga”, publicada nesta segunda-feira (4) no site Civilization Works, do jornalista americano Michael Shellenberger.
Segundo as mensagens, Cristina foi responsável pela criação e coordenação de um grupo no WhatsApp que funcionava como uma espécie de unidade informal de inteligência. A equipe era formada por funcionários do STF e do TSE, além de colaboradores externos, incluindo ativistas políticos, universidades e agências de checagem, que monitoravam redes sociais e grupos de mensagens privados em busca de conteúdos considerados “antidemocráticos”.

Na época, Alexandre de Moraes acumulava os cargos de ministro do STF e presidente do TSE. As mensagens indicam que ele supervisionava pessoalmente a operação, autorizando ações sigilosas por meio de sua conta pessoal de e-mail, fora dos canais institucionais. Os relatórios gerados a partir dessas investigações eram utilizados para classificar manifestantes com “certidões positivas”, o que, segundo a denúncia, era suficiente para mantê-los presos, mesmo sem provas de envolvimento direto nos atos de vandalismo.
Essas “certidões”, de acordo com a apuração, eram emitidas com base em comentários nas redes sociais, postagens em apoio aos protestos ou críticas ao STF e ao presidente Lula. As investigações ocorriam de forma acelerada e, por vezes, desorganizada. Havia casos de certidões sendo emitidas, removidas e reemitidas em questão de minutos, sem qualquer fundamentação formal.
As conversas também mostram que dados de detidos — nomes, fotos e documentos — eram repassados informalmente por agentes da Polícia Federal para a equipe coordenada por Kusahara, sem qualquer cadeia de custódia ou controle jurídico. Um dos policiais chega a alertar para a confidencialidade dos dados, dizendo que as informações eram “muito procuradas”.
A operação contava ainda com a participação de outros nomes ligados ao gabinete de Moraes e ao TSE, como o juiz auxiliar Marco Antônio Martins Vargas, o assessor judicial Airton Vieira e Eduardo Tagliaferro, então chefe da Unidade Especial de Combate à Desinformação do TSE. Tagliaferro foi quem denunciou internamente as ordens repassadas via WhatsApp.
Entre os casos apontados na denúncia está o de um caminhoneiro preso por críticas feitas a Lula no Facebook, mesmo sem ter participado dos atos violentos. Outro homem foi detido por uma única postagem no Instagram que dizia: “Fazer cumprir a Constituição não é golpe”. Um ambulante que sequer esteve nos protestos — apenas apareceu à noite para vender bandeiras — também acabou preso.
A prática gerou preocupação entre juristas e organizações de direitos civis, uma vez que as decisões judiciais aparentam ter sido fundamentadas em provas frágeis ou obtidas fora dos trâmites legais. As mensagens sugerem que nenhuma dessas “certidões” foi compartilhada com advogados de defesa ou analisada por promotores de justiça.
Em uma das conversas, a própria Cristina Kusahara menciona que a Procuradoria-Geral da República (PGR) havia recomendado a soltura de um grupo de detidos, mas que Moraes optou por mantê-los presos até que suas redes sociais fossem completamente examinadas. “A PGR pediu a LP (liberdade provisória) deles, mas o ministro não quer soltar sem antes a gente ver nas redes se tem alguma coisa”, escreveu.
A denúncia reacende o debate sobre os limites da atuação do Judiciário no Brasil, especialmente quando se trata de investigações com implicações políticas. O uso de redes sociais como principal elemento probatório, sem transparência ou direito à ampla defesa, levanta questionamentos sobre possíveis abusos de autoridade e violação de direitos fundamentais.
Até o momento, nem o STF nem o TSE se pronunciaram oficialmente sobre o conteúdo das mensagens vazadas.
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