Alvos são textos que dificultam demarcação de terras
Lideranças indígenas de diferentes etnias participaram, nesta quinta-feira (27), em Brasília, de um seminário promovido pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados. O chamado 1º Seminário dos Povos Originários no Congresso Nacional reuniu lideranças e representantes de entidades da sociedade civil no contexto da 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), que terminará nesta sexta-feira (28), na capital federal, com a presença milhares de indígenas de todas as regiões do país.
O ponto central dos debates foi a crítica ao avanço de projetos de lei que dificultam a demarcação de terras, como o PL 490/2007. A medida, que está pronta para ir à votação no plenário da Câmara dos Deputados, cria o chamado do marco temporal, estabelecendo que serão consideradas terras indígenas os lugares ocupados por povos tradicionais até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A Carta Magna não prevê esse marco como critério, já que indígenas são povos originários que estão presentes no país muito antes da colonização europeia. Atualmente, o tema também é objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que vai decidir, ainda esse ano, se a tese do marco temporal é válida ou não.
“É importante que essa Casa [Câmara dos Deputados] não vista roupagem de [Pedro Álvares] Cabral no Século XXI”, disse a deputada federal Célia Xabriaká (PSOL-MG), coordenadora da comissão e responsável pela realização do seminário.
Direitos
Uma das presenças mais importantes foi a do cacique Raoni Metuktire, líder da etnia Caiapó, em Mato Grosso, que tem 93 anos. “Faz tempo eu venho defendendo os nossos direitos para garantir a demarcação de terras indígenas, para gente manter nossos costumes e tradições. Os não indígenas chegaram aqui, vocês sabem o nome dele, o Cabral…chegou aqui com seu povo e matou nossos ancestrais. E, hoje, estamos aqui pela nossa resistência. Vocês que estão à frente lutando pelo seu povo têm que se unir para defender nossas terras. Os chefes dos brancos não gostam dos nossos direitos”, declarou a uma plateia formada por centenas de indígenas que participam do acampamento, montado na Esplanada dos Ministérios.
Com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia”, a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL 2023) reforça a necessidade da criação de novos espaços territoriais destinados ao usufruto exclusivo indígena e garantia de proteção das áreas já homologadas. No Brasil, há 305 etnias indígenas identificadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo Demográfico de 2010.
Além do PL 490, que cria o marco temporal, outras iniciativas legislativas preocupam os indígenas, como o PL 191/2020, que autoriza a mineração em terras indígenas, o PL 6299/2002, que flexibiliza o uso de agrotóxicos, o PL 2159/2021, que afrouxa necessidade de licenciamento ambiental e os projetos de lei 2633/2020 e 510/2021, que podem facilitar grilagem de terras públicas.
Luta coletiva
“Continuam, através de leis, tentando nos colonizar. O meu recado é que nossa luta é coletiva porque não lutamos só. Nós não aceitaremos esses projetos de lei que querem acabar com nossos direitos e nossos territórios. Não há de se falar em democracia e justiça climática sem nossos territórios. Jamais, de novo, um Brasil sem nós”, enfatizou Txai Suruí, ativista indígena brasileira reconhecida no exterior.
Ela é coordenadora do Movimento da Juventude Indígena. Suruí lembrou do papel central dos povos tradicionais na maior crise da atualidade: as mudanças climáticas.
“Nós fazemos a missão mais importante para o planeta na maior crise que vivemos, que é a crise do clima, nós protegemos as florestas, protegemos a vida com nossas vidas”, acrescentou.
Para a líder indígena Maíra Pankararu, integrante da Comissão de Anistia, setores ligados ao agronegócio usam expressões com tons supostamente ambientalistas para tentar avançar com projetos que ameaçam territórios tradicionais e o meio ambiente.
“Existem expressões como mineração sustentável e uso sustentável do solo e dos recursos naturais nas terras indígenas. Mas não existe mineração sustentável. Como eles podem falar de uso econômico sustentável em terras indígenas sem consultar os povos indígenas?”, questionou.
Oportunidade
Integrante do Instituto Sócio Ambiental (ISA), onde atua como assessora política e direitos, Adriana Ramos destacou que a preservação das florestas e das terras indígenas se tornou uma agenda de importância mundial, no contexto de enfrentamento às mudanças climáticas. Ela ressaltou ser essencial que os setores econômicos, inclusive do agronegócio, compreendam que os países que compram produtos do Brasil estão cada vez mais fiscalizando a origem da produção.
“Países e blocos econômicos, como a União Europeia, estão decidindo que não querem mais comprar produtos associados ao desmatamento. E o Brasil, como uma nação de grandes extensões florestais, é um dos países com maior potencial de suprir o mundo de alimentos em condições adequadas e sustentáveis de produção”, observou.
Nesta sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve visitar o Acampamento Terra Livre. A expectativa é que ele assine demarcações de novas terras indígenas, que estão paralisadas há anos no país.
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