Jurista afirma que não houve crime e explica por que a condenação é ‘bizarra’
Uma decisão judicial condenou o vereador Eduardo Pereira (PSD), de Bertioga (SP), por homofobia, depois de ele se recusar a ler um projeto de lei voltado à comunidade LGBT+ durante sessão na Câmara Municipal.
A pena estabelecida foi de dois anos e três meses de reclusão em regime aberto, além do pagamento de R$ 25 mil a título de indenização por danos morais. O crime foi criado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, ao equipar ofensas a pessoas da comunidade LGBT a ofensas raciais. A decisão causou polêmica, porque afronta uma regra do Direito Penal: a de que não há crime sem lei anterior que o defina. Ou seja, tipos penais não podem ser criados por decisões judiciais.Play Video
O caso do vereador condenado por ‘homofobia’
O episódio ocorreu em 21 de maio de 2024, quando o presidente da Câmara pediu que Pereira lesse o projeto apresentado pela vereadora Renata da Silva Barreiro (PSDB). “Ah, não Renata, vou sair fora”, e, ao se retirar, acrescentou: “Não, toma, pega aí”, conforme consta no processo. O projeto de lei propunha a criação do programa Respeito Tem Nome, para facilitar a obtenção de documentos por pessoas trans e travestis.
O Ministério Público de São Paulo formalizou denúncia, com fundamento na decisão do STF que criou o crime de “homofobia”. A promotora Joicy Fernandes Romano, responsável pela denúncia, afirmou que o vereador “incitou a discriminação e estimulou a hostilidade” ao demonstrar aversão ao grupo LGBT+. “Praticando discriminação penalmente típica diante da externalização de ideias de inferiorização, aversão, segregação e intolerância, razão pela qual a conduta encontra subsunção no crime de racismo”, afirmou.

Na sentença, a juíza Jade Marguti Cidade destacou haver provas suficientes do ato discriminatório. “Não são necessárias maiores dilações sobre a prática ou não do ato pelo réu, posto que integralmente gravado e constante do vídeo acostado aos autos, cujo áudio é claro”, afirmou a juíza.
A magistrada também observou que testemunhas confirmaram não ser habitual o vereador recusar a leitura de projetos em suas funções. Ela determinou que o valor da indenização seja destinado a ações voltadas ao combate à discriminação e à promoção da igualdade.
A manifestação do parlamentar
O vereador Eduardo Pereira, em nota, argumentou que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, citando o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição. Segundo ele, a defesa está preparando recurso, e suas ações se basearam na liberdade de expressão. “Me manifestarei sobre o mérito da questão exclusivamente nos autos do processo e nas instâncias recursais”, explicou o vereador.
Pereira reiterou o compromisso com os direitos de toda população de Bertioga e manifestou confiança na Justiça, afirmando acreditar em sua inocência ao final do processo. Ele declarou não ter hostilizado ninguém e destacou o respeito que diz manter com todas as pessoas.
Evangélico, engenheiro civil e bacharel em Direito, Eduardo Pereira começou a carreira política na campanha de emancipação de Bertioga; ele foi eleito vereador em 2004, vice-prefeito em 2008 e chefiou secretarias municipais. A partir de 2016, foi reeleito para sucessivos mandatos.
Jurista critica decisão
Professor de Direito Penal e coautor do livro Inquérito do Fim do Mundo, Cleber de Oliveira Tavares Neto considerou a decisão sobre o vereador de Bertioga “uma das mais absurdas e bizarras, talvez do século”, e explicou que não existe crime na conduta do vereador. “Ele foi condenado pelo que não fez, por um crime que não existe”, afirmou. “Ele não falou absolutamente nada sobre o projeto de lei, apenas saiu.” Além disso, o vereador está protegido pela imunidade parlamentar, que permite expor suas convicções para atuar na Câmara.
“Agora se levantar e ir embora numa situação constrangedora virou crime?”, perguntou. “Imaginem só o precedente: se um parlamentar não pode fazer isso, imagine um promotor de Justiça que se levanta para sair no meio de um evento promovido pelo MP, justo na hora da fala de alguma minoria.”
Para o jurista, esse entendimento levará a absurdos jurídicos: “Quem não participar ativamente dos eventos queer poderá ser considerado racista; racista por se recusar a namorar ‘homens e mulheres trans’, racista porque saiu do banheiro quando entrou alguém LGBT”.
Poderia haver crime se houvesse conduta omissiva, ou seja, um funcionário público cuja obrigação legal fosse permitir a entrada de pessoas na Câmara e barrasse a passagem de negros ou LGBTs. “Aí haveria segregação. Fora isso, não há crime”, explicou Cleber Tavares Neto.
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