“Nós já fazíamos isso há milênios”, afirma o professor Edilson Baniwa ao explicar como a educação indígena ensina, desde cedo, a cuidar da natureza. Nascido em São Gabriel da Cachoeira (AM) e integrante do povo Baniwa, ele atua hoje no Ministério dos Povos Indígenas coordenando políticas de educação escolar indígena.
Segundo ele, os conhecimentos tradicionais sobre o meio ambiente vêm sendo passados por gerações muito antes da criação das escolas formais. “Nossos pais nos ensinavam a respeitar a natureza, os rios, as matas. Os bichos são nossos amigos, são gente como nós”, diz.
Esse respeito ao meio ambiente é central na resistência dos povos originários frente às mudanças climáticas. Para Edilson, o papel da educação é reforçar essa conexão com o território. “A luta pela terra é também espiritual. Não é só demarcar no mapa, é garantir o espírito do lugar vivo”.
A melhoria do ensino indígena para fortalecer a educação como meio de mobilização e enfrentamento das necessidades indígenas foi debatida em Manaus nesta semana no Enei 2025 – Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas que reuniu representantes de todo o país.
A defesa da terra integra o currículo indígena. “Uma das primeiras bandeiras maiores que a gente sempre tem defendido desde a Constituição de 88 para cá, foi a bandeira da terra”, afirma Baniwa. “A partir da educação indígena, nós sempre lutamos, sempre defendemos, e a partir também da educação escolar indígena sempre trabalhamos muito fortemente isso nas nossas escolas”, acrescenta.
Preservação e autonomia política
A professora Elisângela Aparecida Pereira de Melo, da UFNT (Universidade Federal do Norte do Tocantins), diz que a educação escolar indígena atua como instrumento de resistência ambiental. “O indígena planta em pequena escala e deixa a terra se regenerar. Ele pesca só o necessário. Ensina a criança a preservar os rios, as nascentes, a não matar fêmea nem cortar árvore frutífera”.
Ela afirma que os saberes indígenas podem ajudar inclusive na formulação de políticas ambientais. “Se as autoridades ouvissem as comunidades indígenas, muitos problemas climáticos poderiam ser evitados”.
Além da valorização cultural e ambiental, a escola indígena cumpre um papel crucial na formação política das novas gerações. “A juventude indígena quer entender as leis, os processos de demarcação, os mecanismos do Estado. Quer se preparar para defender seus direitos com argumentos”, diz Elisângela Melo.
Esse preparo, segundo os educadores, fortalece a participação indígena em instâncias decisórias e amplia a capacidade de resistir a pressões externas, como garimpo ilegal, agronegócio predatório e projetos de infraestrutura que afetam suas terras.
Para Gerson Bacury, tutor do Programa de Educação Tutorial Encontro de Saberes Indígenas, da Faculdade de Educação da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), a escola tem papel estratégico na formação política dos jovens indígenas. “Eles querem entender como funciona o mundo ocidental, a gestão da terra, a política. A escola precisa prepará-los para esse diálogo sem perder os saberes da tradição”.
“O que está em jogo é muito mais do que ensinar a ler e escrever. É a sobrevivência física e cultural de um povo”, alerta. “A criança que aprende desde cedo sobre o valor da mata, dos rios e dos ancestrais cresce consciente de que o território é sagrado. E aprende a lutar por ele”, diz Gerson Bacury.
Currículo próprio
A base da educação indígena é diferenciada, bilíngue e intercultural, com matriz construída junto às comunidades.
Para Edilson Baniwa, a escola indígena não pode ser pensada dentro da lógica ocidental de ensino padronizado. “Nosso currículo começa no território, na cultura, no espiritual. Só depois vem português, matemática, ciências porque antes de aprender sobre o mundo, o jovem indígena precisa entender quem ele é”.
Gerson Bacury destaca que a formação de professores indígenas deve envolver também a participação dos sábios das aldeias para garantir que os saberes ancestrais cheguem às novas gerações. “A pandemia levou muitos anciãos. E com eles, muitos saberes. Precisamos cuidar para que esse conhecimento não desapareça”.
Edilson Baniwa conclui: “A educação é nosso escudo. Quando o Estado falha, quando o agronegócio avança, é ela quem nos mantém de pé. É quem ensina nossas crianças a não esquecer quem são. E a não aceitar o fim da floresta como algo inevitável”.

Ensino bilíngue e cultura
Um dos pilares da educação indígena é o uso da língua materna como primeira língua. No entanto, muitos povos enfrentam dificuldades por falta de material didático em seu próprio idioma.
O indígena e doutor em linguística Arthur Baniwa reforça que o fortalecimento da língua e da cultura são essenciais para manter viva a identidade dos povos. “Falta material didático para ensinar nossa língua. E sem língua, a gente perde a cultura, perde a visão do mundo”, lamenta.
Segundo ele, apesar dos avanços ainda há um longo caminho a ser percorrido. “A universidade ainda não reconhece os saberes que trazemos da comunidade. Isso afeta o fortalecimento da nossa política própria”.
Desafios estruturais
Todos os entrevistados citam a precariedade estrutural como um obstáculo comum às escolas indígenas. Falta de professores, de material didático e de infraestrutura são problemas constantes.
“Às vezes falta até pincel para o professor escrever na lousa”, relata Elisângela Melo. Ela defende políticas públicas específicas para a formação de professores indígenas, considerando o tempo da comunidade e da escola.

A questão logística também pesa. Levar material, construir escola, tudo é mais difícil e mais caro.
Logística amazônica e recursos
Na Amazônia, desafios específicos se impõem. “Um dos grandes desafios que nós enfrentamos aqui é a questão da logística. Nós temos a Amazônia como um todo, são nove estados, é uma região muito grande, de difícil acesso. As nossas estradas são os nossos rios”, explica Edilson Baniwa.
Apesar dos avanços, persistem as dificuldades. “Já tivemos muitas conquistas, desde 88 para cá, com relação à questão da educação escolar indígena. No entanto, ainda é muito pouco”, reconhece Baniwa.
Gerson Bacury complementa: “A dificuldade que eu percebo nas minhas leituras, nas minhas pesquisas, em participação de eventos, é justamente o acesso a essa educação. Hoje ele é bem difícil”.
Formação de professores
A necessidade de professores indígenas é urgente. “Há uma necessidade deles para que tenham mais professores indígenas nas escolas indígenas, porque atualmente parte desses professores são não indígenas”, destaca Gerson Bacury.
Melo reforça: “O Estado deveria ter políticas mais assertivas para a formação de professores indígenas que levem em consideração o tempo comunidade e o tempo escola ou o tempo universidade para formar os professores indígenas”.
A educação indígena busca equilibrar conhecimentos tradicionais e acadêmicos. “O objetivo dele é formar professores indígenas em uma educação diferenciada, bilíngue e intercultural, para que eles possam retornar à sua comunidade e desenvolver trabalhos voltados para a relação entre o fortalecimento dos saberes da tradição e a relação com os conhecimentos ocidentais”, explica Bacury sobre o Curso de Licenciatura Formação de Professores Indígenas (FPI).

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