Apesar da pressão internacional, especialmente dos Estados Unidos, para explorar minerais críticos e terras raras no Brasil, especialistas alertam que o país precisa garantir que essa exploração aconteça sob suas próprias regras e interesses mantendo a soberania nacional. O processo deve ser planejado e sustentável, sem transformar os recursos em “moeda de troca aleatória ou imposição da demanda” de outros países.
A discussão sobre a exploração começou após o encarregado de negócios dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, reunir-se com empresários, representantes do governo e do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) para tratar da exploração de minerais estratégicos no país. O encontro ocorreu poucos dias antes da entrada em vigor de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, anunciada pelo governo americano em meio a tensões políticas envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Marcos Castro de Lima, geógrafo da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e especialista em geografia, planejamento e gestão urbana, cidades amazônicas e metropolização da Amazônia Ocidental, disse ao ATUAL que o Brasil, especialmente a Amazônia, possui minerais de interesse internacional. Ele considera viável a negociação para exploração, pois o país ainda não dispõe de todo o aparato tecnológico para transformar ou utilizar plenamente os próprios recursos minerais. Por isso, parte significativa acaba sendo negociada com o mercado externo.
“Todo o processo de exploração de recursos naturais, recursos minerais do espaço brasileiro, deve estar regulado pelas normas vinculadas à soberania nacional. Isso não pode ser moeda de troca aleatória ou imposição da demanda de país A ou país B. Então, o Brasil deve ser livre para negociar os seus recursos minerais daquela forma que seja mais justa para o próprio povo brasileiro”, afirma Marcos Castro de Lima.
O especialista defende que essas negociações precisam estar amparadas por leis brasileiras e ambientais e ser “balizadas” para não “ferir a soberania nacional e nem o meio-ambiente”. Ele alerta que a exploração não deve ocorrer de forma desordenada, sob risco de danificar a floresta e poluir rios. O sucesso depende de “racionalidade, sustentabilidade e capacidade de gestão territorial”, envolvendo ciência, academia, política e sociedade civil.
Segundo Marcos Castro, a Amazônia concentra minerais como ferro, nióbio, cassiterita e ouro, além de um imenso manancial hídrico, recursos florestais e fitoterápicos com grande demanda internacional. Conforme a ANM (Agência Nacional de Mineração), no Amazonas existem minérios críticos como estanho e columbita-tantalita, além de reservas de nióbio (metal usado em ligas de alta resistência para siderurgia, construção, turbinas, trens de alta velocidade, baterias e equipamentos aeroespaciais e militares) e potássio.
O geógrafo cita que uma exploração sem controle pode causar danos irreparáveis, como desmatamento acelerado, redução da cobertura vegetal e poluição dos rios, especialmente pelo uso de mercúrio na extração de ouro. Ele lembra que “aquilo que a natureza levou milhões de anos para fazer, o homem pode destruir em poucos anos”. “É possível equacionar a exploração com a sustentabilidade. Elas não se anulam, desde que seja um processo racional de gestão territorial adequada”.

O especialista esclarece que, diante dessa riqueza natural e territorial o Amazonas é protagonista estratégico na Amazônia e no Brasil. Ele explica que o estado possui a maior dimensão territorial do país e concentra a maior quantidade de floresta, rios, biomassa e recursos naturais. “Esta condição de gigantismo territorial, do gigantismo territorial que comporta, portanto, a floresta e os rios, e não somente isso, mas os recursos naturais também, nos dá esse protagonismo”.
“Nós temos que ter essa fala de protagonismo, o Amazonas como o maior estado e aquele que comporta a maior quantidade de riquezas florestais e hídrica e minerais também, nós temos que ter esse poder de fala, as instituições do Amazonas precisam ser ouvidas, as universidades federal, a universidade estadual, os centros de pesquisa, a sociedade civil, e os governos têm que estar antenados para essa nossa condição”, afirma.
Ele acrescenta: “Nós temos uma condição que eu diria que é estratégica, mas nós temos que explorar a nossa condição de amazônidas e de explorar essa condição de maior unidade da federação e aquela que comporta essa grande quantidade de riqueza, nós temos que transformar isso em fala, em voz ativa, como protagonismo nas decisões da Amazônia e do Brasil”.
Cita ainda que além dos minerais, o estado tem as terras-raras que estão em curso no projeto Apuí e Ema, da empresa Brazilian Critical Minerals, para exploração de argilas iônicas, além do projeto Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira, com destaque para o nióbio.
Apesar de concentrar reservas estratégicas como nióbio e terras raras, o Brasil ainda enfrenta desafios para transformar esses recursos em benefícios econômicos concretos. Sem infraestrutura adequada, investimento em processamento local e políticas de acompanhamento, grande parte da produção continua sendo exportada como matéria-prima, com menor aproveitamento de valor agregado e menos oportunidades de emprego qualificado.
O Brasil concentra grandes reservas de nióbio, grafite, terras raras, níquel, lítio, cobre e cobalto — elementos essenciais para a economia global e para tecnologias do presente e do futuro. Mas a pressão internacional por esses minerais torna o país sensível a decisões geopolíticas, e uma exploração rápida ou desordenada pode gerar impactos ambientais e sociais, afetando territórios e comunidades, especialmente na Amazônia.
BR-319: logística e impacto ambiental
À reportagem, o geógrafo abordou a polêmica sobre rodovia BR-319 que enfrenta o dilema entre desenvolvimento e preservação ambiental. A estrada é a única que liga Manaus–AM a Porto Velho–RO e ao restante do país. Ele cita que a rodovia não é um problema, mas a “incapacidade de gestão territorial”.
Segundo ele, a BR-319 existe desde os anos 60 e 70, mas hoje é mais debatida como discurso político do que como realidade prática, dividindo opiniões entre desenvolvimentistas, que defendem a rodovia para logística e economia, e conservacionistas, que se preocupam com impactos ambientais. Ele alerta que os discursos extremos travam o diálogo e atrasam o consenso.

“A BR já existe. A BR em si não é um problema, ela pelo contrário ajuda na logística do polo industrial de Manaus e na logística da Amazônia na totalidade. O problema não é a BR, o problema é a nossa incapacidade de gestão territorial. Se nós criarmos reservas em toda a BR e não permitirmos que essas áreas sejam invadidas, que sejam ocupadas, que sejam desmatadas, ela não vai causar nenhum problema. Pelo contrário, ela vai trazer desenvolvimento. Agora, se nós não tivermos uma gestão territorial capaz de fiscalizar e de não permitir que o ambiente seja danificado, aí a BR pode prejudicar”, explicou.
Marcos Castro de Lima disse que, se houver fiscalização, planejamento e definição clara de reservas ambientais, a rodovia pode funcionar como solução logística, beneficiando o polo industrial de Manaus e a região amazônica. Marcos Castro avalia que o sucesso depende da articulação entre sociedade, ciência e governo, e que a BR-319 só se tornará um problema quando houver descuido ou posturas radicais que travam o avanço do diálogo.
O debate voltou à tona recentemente após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar trecho do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que dispensava de licenciamento rodovias previamente pavimentadas, incluindo a BR-319, o que beneficiaria obras de repavimentação
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