País registrou mais de 400 focos de incêndio ativos e 3,8 milhões de hectares foram destruídos, uma área 15 vezes maior do que o esperado para a temporada de queimadas
O Canadá amanheceu na quarta-feira quase totalmente coberto por uma nuvem cinza após as florestas do leste do país registrarem mais de 400 focos de incêndio. Até o momento, 3,8 milhões de hectares foram destruídos — área 15 vezes maior do que o esperado para o período. A fumaça tóxica, proveniente do fogo, também atinge metade do território dos Estados Unidos, incluindo a capital Washington. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, o cenário representa um enorme risco à saúde pública e as suas consequências para o meio ambiente podem perdurar por décadas. A poluição no ar provocou cancelamento de peças da Broadway e fez atriz abandonar palco.
Segundo a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA, na sigla em inglês), mais de 100 milhões de pessoas estão sob alerta nos EUA pela qualidade insalubre do ar. Aeroportos cancelaram e atrasarem voos, escolas proibiram atividades ao ar livre e partidas esportivas foram suspensas em diversas partes do país. Em Nova York, que na noite de terça-feira registrou o pior índice de qualidade do ar do mundo, o governo anunciou que distribuirá um milhão de máscaras do modelo N95 para a população. Fumaça deve se dissipar até sexta-feira nos EUA, segundo especialistas.
De acordo com as autoridades canadenses, há 414 focos de incêndio ativos no momento, 239 fora de controle. A região mais afetada é Québec, que tem mais de 150 áreas em chamas. O fogo já se alastrou por um território maior que o estado do Mato Grosso do Sul e forçou o deslocamento de mais de 20 mil pessoas. O primeiro-ministro do país, Justin Trudeau, classificou a situação como “aterrorizante” durante uma coletiva de imprensa em Otava nesta quarta-feira.
— As nossas previsões indicam que este verão pode ser uma temporada de incêndios particularmente severa — alertou Trudeau, que procurou tranquilizar a população afirmando que há um “plano de contingência” caso a situação se agrave nos próximos meses.
Apesar de ser apenas o início da temporada de queimadas no Canadá, cujo auge ocorre nos meses de julho e agosto, o número alarmante de incêndios tem preocupado as autoridades. Nos seis primeiros meses do ano, o país já registrou o quarto maior volume de incêndios desta década. Segundo o Ministério de Recursos Naturais canadense, o número de hectares queimados apenas em 2023 é 14 vezes a média vista nos últimos dez anos.
A capital dos EUA, Washington, coberta de fumaça na quarta-feira — Foto: CHIP SOMODEVILLA / Getty Images via AFP
Para Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), a ocorrência de queimadas em florestas mais secas está aumentando exponencialmente pelos efeitos das mudanças climáticas, que estimulam a elevação da temperatura e diminuição da precipitação.
— O leste do Canadá é uma das áreas mais suscetíveis a esses incêndios e essas áreas queimadas sofrem uma forte degradação ambiental que pode perdurar por décadas — sublinha. — Alguns gases tóxicos liberados com o fogo podem viajar mais de 3 mil quilômetros na atmosfera, que é um sistema aberto compartilhado por todos os países.
Artaxo afirmo que todos os ecossistemas em contato com a fumaça sofrem danos: “o ozônio, por exemplo, é tóxico às plantas”, explica. Segundo ele, fenômenos como os desta quarta-feira são relativamente frequentes, embora nem sempre sejam perceptíveis a olho nu — o que não significa que não causem prejuízos ao meio ambiente.
Eduardo Algranti, coordenador da Comissão de Doenças Respiratórias Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, explica que, ao viajar pela atmosfera, os gases formados pelas queimadas se unem a outros poluentes que já estavam presentes no local. Por isso, o índice de qualidade do ar em algumas regiões dos Estados Unidos está pior do que em outras no Canadá.
— À medida que essa fumaça viaja numa distância tão grande, é provável que haja concentração de poluentes diferentes como, por exemplo, o ozônio e outros poluentes que não são necessariamente materiais particulados, mas são gases tóxicos, obviamente prejudiciais ao sistema respiratório — afirma Algranti.
Não há nenhum risco de a fumaça dos incêndios florestais chegar a países mais distantes como o Brasil, alertam os especialistas, mas ressaltam que a América do Sul possui seu próprio sistema atmosférico que causa fenômenos parecidos como o que tem sido observado em larga escala no Canadá e nos Estados Unidos. Chamado de circulação de jatos de baixos níveis, o mecanismo corresponde à alteração da rota dos ventos alísios da Cordilheira dos Andes que promove o transporte do material que sai da Amazônia em direção ao sul e sudeste do subcontinente, explica Alexandre Costa, climatologista da Universidade Estadual do Ceará.
— Em condições normais, esse material é vapor d’água, umidade, mas quando você tem queimadas, o que aconteceu foi o que a gente viu em agosto de 2019 em São Paulo, quando a noite virou dia às 3 horas da tarde, em meio à formação de nuvens de tempestades profundas, que bloquearam a luz solar — afirma Costa.
A fumaça desses incêndios carrega diversos materiais particulados e substâncias irritantes para as vias respiratórias, como aerossóis, gás carbônico e dióxido de nitrogênio, o que faz com que sua inalação seja prejudicial à saúde humana, explica Algranti. Segundo o especialista, o que normalmente acontece nessas ocasiões é um aumento de queixas em pacientes com problemas respiratórios como asma, mas também um aumento do número de infecções respiratórias nos grupos mais frágeis, que são as crianças e os idosos, e quadros de bronquite aguda e doenças pulmonares.
— Essa fumaça também tem nanopartículas que penetram pelas vias respiratórias, mas se distribuem por todo o organismo. Não temos ainda uma noção muito clara sobre os efeitos dessas partículas para o ser humano, mas sabemos que causam uma inflamação sistêmica, que podem levar a eventos cardiovasculares e neurológicos — Algrandi.
Segundo Artaxo, dependendo do nível de toxicidade da fumaça, pode haver um aumento da mortalidade em pessoas com o sistema cardiopulmonar mais vulnerável. Além disso, o contato de gases tóxicos como monóxido de carbono e ozônio na corrente sanguínea também pode ter impactos significativos, explica o professor.
*Com informações OGLOBO
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